Mônica Bonetti Couto
Doutora e Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professora do Curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil do Complexo Educacional Damásio de Jesus (Damásio Educacional), da Escola Paulista de Direito – EPD e da Escola Superior de Advocacia – ESA da OAB/SP. Advogada em São Paulo. E-mail: monicabonetticouto@terra.com.br
Fabiano Tesolin
(Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público de Brasília – IDP. Instrutor Interno do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assessor de Ministro do STJ. E-mail: fabianotesolin@gmail.com.
Sumário: Introdução. 1. As normas fundamentais do CPC/2015 e o didatismo do legislador: um passo relevante. 2. O processo é meio e não fim: os relevantes passos dados pelo CPC/2015 para a concretização da garantia de acesso à justiça. Síntese conclusiva.
Introdução
Pretende-se, por intermédio deste brevíssimo ensaio, colocar em evidência alguns avanços que, na prática e em termos bastante significativos, representam uma importante contribuição à concretização da garantia do acesso à justiça, tal como consta do art. 5., inc. XXXV, da Constituição Federal.
A bem da verdade, a pretexto de render as mais festivas homenagens à Constituição Federal, que há 30 anos se editava, objetiva-se promover uma reflexão em torno de uma relevante ferramenta colocada à disposição do jurisdicionado e de todos operadores do direito que – em larguíssima medida – pode contribuir e favorecer um melhor incremento do acesso à justiça, garantido e alcançado em nível constitucional.
Esse ensaio parte de duas premissas que se nos afiguram fundamentais e que devem ser aqui registradas. A primeira, no sentido de que a ótica do acesso garantido pelo art. 5, inc. XV que será aqui examinada é a do Acesso ao Judiciário, “braço” da garantia maior, do acesso à justiça (essa sim, categoria mais ampla que congrega inclusive medidas extrajudiciais, além do que se intitulado acesso à ordem jurídica justa). A segunda, e mais relevante: por intermédio desse acesso ao Judiciário, deve-se assegurar ao jurisdicionado, e como há muito já registra a melhor doutrina, não apenas e tão somente o seu “ingresso” (formal) ao Judiciário. Há de se dar a este jurisdicionado muito mais: o direito de sair do Judiciário em tempo hábil, tempestivo, munido de uma adequada tutela jurisdicional de mérito.
É o que se passa a expor, em breves linhas, a seguir.
- As normas fundamentais do CPC/2015 e o didatismo do legislador: um passo relevante
Como já se procurou evidenciar em diversas outras oportunidades[1] é tempo de se superar o dogma do extremo formalismo do processo civil, dissociado que está, na atualidade, do reconhecimento de sua própria essência (instrumento e vetor de realização do direito material).
Neste ambiente, a Reforma do Judiciário inaugurada pela Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu de maneira expressa a cláusula assecuratória da duração razoável do processo, tem servido de mote e inspiração para várias outras reformas, tendentes à racionalização e dinamização dos julgamentos, prestigiando os valores e postulados constitucionais da celeridade, economia e efetividade.
Nesta linha, a proposta de uma leitura constitucional dos institutos processuais assume imenso relevo. De igual modo, o advento do CPC/2015, na forma em que restou editado, tem o mérito de evidenciar a imprescindibilidade dessa leitura do processo civil, que há de ser permanentemente interpretado em conformidade com os preceitos constitucionais.
Como uma das signatárias desse texto já acentuou em diversas outras oportunidades, esse dispositivo não traz, em si mesmo, nenhuma novidade. [2] Mas o seu mérito é imenso. Servindo-se de técnica legislativa expletiva, o legislador foi muitíssimo didático, explicitando o (quase) óbvio: o processo civil será (rectius, deve ser) ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição. [3]Já é tempo de se destacar a posição que há de ocupar o processo civil, como instrumento realizador do direito material. Os princípios da efetividade do processo e da tutela jurisdicional justa, a nosso ver, devem preponderar e informar toda a atividade judicial. [4]
Para Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Feres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, o disposto no art. 1º deve “ser lido antes de todo e qualquer outro dispositivo que integra o Código, que deve ser compreendido a partir dos princípios constitucionais fundamentais”.[5] Nesse sentido, o fenômeno da constitucionalização do processo civil, iniciado com a Constituição Federal de 1988, teve seu ápice com o CPC/2015, no qual buscou-se harmonizar a lei processual civil com os ideais incutidos na Constituição Federal, a partir de uma “preocupação maior em determinar garantias de ordem processual capazes de propiciar a efetivação da ampla gama de direitos e liberdades constitucionais”. [6]
Nessa esteira, as “Normas Fundamentais do Processo Civil”, contidas na Parte Geral, Livro I, Título Único, Capítulo I do CPC/2015, constituem-se como as linhas mestras que devem guiar a interpretação e aplicação do novo diploma. Segundo Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart, essas regras são concebidas como:
(…) compromissos fundamentais do legislador: respeitar a liberdade e a igualdade de todos perante a ordem jurídica (arts. 1.º, 2.º, 3.º, 8.º e 926 a 928 do CPC), prestar tutela tempestiva aos direitos (arts. 4.º e 12 do CPC) e administrar a justiça civil a partir de uma ideologia democrática (o que leva a um novo equacionamento das relações entre o juiz e as partes a partir da colaboração, do contraditório e da fundamentação, arts. 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 10, 11 e 489, §§ 1.º e 2.º, do CPC). [7]
Enfim e de toda a sorte, ainda que se saiba que todo o modelo do processo, que deve cumprir a cláusula máxima do devido processo legal, já tem seu núcleo estabelecido na Constituição Federal – e que, portanto, a sua observância não depende da previsão em lei ordinária, tal qual é o CPC/2015, mas decorre da supremacia constitucional e da própria força normativa da Constituição tão defendida por Hesse – é imperioso reconhecer a importância da “repetição” (expletiva e didática, como se disse) das “Normas Fundamentais do Processo Civil, já na abertura do CPC/2015 (Parte Geral, Livro I, Título Único [Das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais], Capítulo 1.
Nesse sentido, o CPC/2015 cuidou de repetir alguns princípios constitucionais, trazendo também outros princípios que funcionarão como vetores interpretativos de todo o regramento processual civil.
À guisa de ilustração, o artigo 2.º traz esculpido os princípios do dispositivo e do impulso oficial, na medida em que determina que o processo começa por iniciativa das partes, que têm o poder de provocar a jurisdição, desenvolvendo-se por impulso oficial, cabendo ao juiz dar andamento ao processo, em nome do interesse público.
No que tange ao artigo 3.º, tem-se a reprodução do princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição (art. 5.º, XXXV, CF), no qual a lei não excluirá de apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier et al:
A única alteração, de ‘apreciação do Poder Judiciário’ (CF) para ‘apreciação jurisdicional’ (NCPC) tem o sentido de indicar que às ameaças ou lesões a direito deverão ser dadas soluções de direito, mas não necessariamente pelo Poder Judiciário. Tanto é assim, que os parágrafos se referem justamente às ADR, ou aos meios alternativos de solução de conflitos e, especificadamente, à arbitragem. [8]
Tomando por base a abordagem da autora, o CPC/2015 também estabeleceu o postulado conciliatório, afirmando que o Estado deve promover e estimular a resolução de conflitos por meio da conciliação, mediação e outros meios consensuais, que deverão ser incentivados por todos os atores envolvidos na prestação da atividade jurisdicional.
O artigo 4.º, por seu turno, garante aos jurisdicionados o direito de obter, em prazo razoável, a solução integral do mérito, incluida a atividade satisfativa. Resta também reproduzido, portanto, o princípio constitucional da razoável duração dos processos (art. 5.º, LXXVIII, CF), diluído no novel diploma através de diversos institutos que objetivam imprimir maior celeridade e eficiência ao Poder Judiciário. Ocorre que, consoante ao que entende Teresa Arruda Alvim Wambier et al, somente será concretizado esse princípio, “se a razoável duração do processo levar em conta não só o tempo até a sentença, mas a duração integral do caminho a ser percorrido pelo autor até que este obtenha integralmente a satisfação do seu direito”. [9]
Em seguimento, o artigo 5.º traz o princípio da boa-fé processual, que deve condicionar o comportamento das partes e de todos que participam do processo, atingindo, inclusive, a postura do magistrado, em uma perspectiva comparticipativa democrática. No mesmo sentido, opera o princípio da cooperação, contido no artigo 6.º, o qual deve envolver todos os sujeitos processuais em prol de uma solução a ser dada em tempo razoável, de forma justa e efetiva.
O artigo 7.º, por sua vez, traz o princípio da paridade de tratamento, corolário do princípio constitucional da isonomia (art. 5.º, caput, CF), que garante a igualdade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
No que se refere ao artigo 8.º, tem-se o estabelecimento de diversos parâmetros que devem guiar o juiz na aplicação do Direito, tais como o respeito aos fins sociais e às exigências do bem comum, além do respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Traz, ainda, a necessidade de observância dos postulados da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e, por fim, da eficiência.
O princípio do contraditório vem consignado no artigo 9.º, que define o dever de cientificar e proporcionar a possibilidade de manifestação à parte, antes que seja proferida decisão em seu desfavor, excetuadas pontuais hipóteses excepcionais. [10] A bem da verdade, em todo o Código vê-se o alargamento do princípio do contraditório.
Diretamente associado ao princípio do contraditório, tem-se o disposto no artigo 10, onde há a vedação legal de que o magistrado decida a questão com base em fundamentos, sejam eles jurídicos ou fáticos, os quais não se tenha dado às partes a adequada oportunidade de manifestação, em clara proibição às decisões surpresa. Ademais, contém a determinação de que mesmo quando o juiz tem o dever de decidir de ofício, deverá ser oportunizado o contraditório para as partes.
Por fim, o artigo 11 menciona os princípios da publicidade e da fundamentação das decisões judiciais, princípios previstos constitucionalmente (art. 93, IX, CF) e que funcionam como garantia contra arbitrariedade e abusos no exercício da função jurisdicional.
Enfim, o que parece merecer todo o destaque é que a assunção expressa, pelo CPC/2015, de diversos dos postulados constitucionais, denotam mais concretamente uma “sintonia fina” entre seu regime e os postulados constitucionais.
- O processo é meio e não fim: os relevantes passos dados pelo CPC/2015 para a concretização da garantia de acesso à justiça
Importa-nos agora avançar um pouco mais e explicitar as bases fundamentais do CPC/2015 (ao menos as quatro que nos parecem mais importantes), que haverão de explicar a filosofia do novo diploma e, portanto, a metodologia da interpretação e aplicação de seus dispositivos e institutos. E isso porque, como se registrou, ficou muito mais evidente, com a nova legislação processual, o compromisso com a entrega da tutela jurisdicional (tempestiva, de mérito e de qualidade).
Em primeiro lugar, o CPC/2015 procurou deixar clara a ideia de que o processo é ferramenta, caminho, instrumento de resolução de conflitos, e não um fim em si mesmo. Em assim sendo, “não deve se transformar em centro de atenção do juiz”[11], devendo primar, portanto, pela simplicidade e pela racionalidade. Nessa esteira, o Ministro Luiz Fux afirma:
A simplificação do direito é fenômeno hodierno que se estende ao direito processual, por isso se adotou para o processo de conhecimento um procedimento comum, padrão, adaptável pelo juiz de acordo com as vicissitudes do caso concreto, permitindo-lhe ser o artesão da forma como proceder até o alcance da resposta a ser cumprida. Assim é que o caso concreto há de demonstrar ao juiz a necessidade de convocação de terceiros via edital, realizar provas em espécie, abreviar o rito, sentenciar antecipadamente, etc., tudo sob a obediência do due process of law. [12]
Ademais, o juiz deve ter tempo para cuidar do direito material discutido e, neste sentido, perder o menor tempo possível com questões formais. A simplicidade adotada em larga medida pelo CPC/2015 é claramente visualizada na extinção das cautelares e na supressão dos incidentes (reconvenção, impugnação ao valor da causa, à assistência judiciária gratuita e à competência passam a ser matérias que devem ser alegadas na contestação), bem como, no que tange ao sistema recursal, a partir da uniformização dos prazos, limitação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento e extinção dos embargos infringentes e do agravo retido.
A racionalidade é percebida com a nítida vontade do legislador de superar a jurisprudência defensiva, permitindo a sanação de vícios (ou a desconsideração destes) até nas instâncias extraordinárias, emprestando maior efetividade à tutela jurisdicional, na medida em que coíbe a utilização de expedientes com o intuito de retardar a concessão de uma tutela de mérito tempestiva, justa e adequada.
Pretende-se, por conseguinte, a abolição de atos processuais considerados desnecessários ou inúteis e a atenuação de formalidades procedimentais que colocam de lado o debate do direito material propriamente dito, resguardando também a duração razoável dos processos, reprimindo atos processuais que prolonguem, de forma injustificada, o tempo do processo.
Destarte, asseveram Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart:
A demora para a obtenção da tutela jurisdicional obviamente repercute sobre o direito fundamental de ação. Portanto, esse direito não pode se desligar da dimensão temporal do processo ou do problema da demora a obtenção daquilo que se almeja mediante a ação. Exige-se, assim, esforço dogmático para dar racionalidade e legitimidade à distribuição do tempo processual.[13]
Pretende-se, ademais, que o juiz possa, no mais das vezes, dar a tutela de mérito, o que se designou por princípio da primazia do mérito (art. 317)[14]. O que se almeja é que o juiz colabore com as partes[15] de tal modo a que o processo ‘sobreviva’ até suas instâncias finais, de molde a permitir que o juiz dê a tutela de mérito e, em o fazendo, ganha-se em economicidade, porque o jurisdicionado vai uma única vez ao Judiciário.
Em desdobramento do acima exposto e nessa mesma linha, pretende o CPC/2015 que o processo renda o máximo possível. Neste sentido, há ampliação dos limites objetivos da coisa julgada e diversos dispositivos que combatem a jurisprudência defensiva. [16]
Os expedientes inseridos no CPC/2015 não visam abandonar de modo absoluto o formalismo, mas sim o formalismo exacerbado em detrimento do mérito ou da questão central posta em juízo. Destarte, os dispositivos “evidenciam que o novel diploma incorporou uma série de mecanismos eficientes, que visam restaurar a qualidade da resposta judicial, resguardando a razoável duração do processo e a atividade satisfativa da entrega do direito reconhecido ao cidadão”. [17]
Isso porque, o processo é construído para ser finalizado a partir do seu julgamento de mérito, não sendo admitida a sua extinção – deveras anômola e prematura – motivada por vícios formais sanáveis, fruto de um tecnicismo excessivo. Ao magistrado, portanto, cabe a postura, de sempre que possível, fazer valer o direito material dos jurisdicionados, buscando a realização de um processo menos complexo e atento às necessidades sociais, a fim de melhor solucionar a questão debatida.
Isso pode ser vislumbrado, por exemplo, no disposto no art. 76, do CPC/2015, o qual dispõe que “verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado vício”. Observa-se, assim, que a possibilidade de corrigir o vício em qualquer etapa processual combate a tendência jurisprudencial defensiva, então consolidada pela Súmula 115, do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”.
Também o art. 218, §4º, do Novo Código de Processo Civil, indica uma tentativa de combate à jurisprudência defensiva, na medida em que considera tempestivo o ato praticado antes mesmo do termo inicial do prazo, superando a “esdrúxula, mas lamentavelmente comum, tese da intempestividade por prematuridade”. [18]
No âmbito recursal, o art. 932, parágrafo único, do CPC/2015, dispõe que “antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Destarte, ao invés de impor o não conhecimento do recurso, há possibilidade de correção de irregularidades sanáveis, combatendo os excessos das práticas da jurisprudência defensiva.
Em sentido semelhante, o art. 1.007, §7º, do CPC/2015, dispõe que “o equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias”. Por isso, nota-se tentativa de superar a jurisprudência defensiva que determinava a deserção do recurso quando houvesse erros ou falhas no preenchimento da guia de preparo. [19]
Quanto à deserção, ainda autoriza o CPC/2015, que o recolhimento do preparo se dê mesmo após a interposição do recurso, hipótese, entretanto, na qual deverá ser recolhido em dobro. O já citado art. 1.007, agora em seu § 4º, estabelece: “O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção”.
Os dispositivos supramencionados revelam a oportunidade que se abre aos julgadores e intérpretes do CPC/2015 – imbuído que está de um novo ‘espirito’ – de fazerem prevalecer uma das mais marcantes diretrizes (ou pilares fundamentais) do novo diploma: a de abandonar o apego excessivo e extremo, criando intransponíveis barreiras ao efetivo conhecimento das teses jurídicas constitucionais e federais, garantindo, em última medida, a efetiva realização do acesso à justiça.
Ademais, o CPC/2015 assumiu compromisso com o estímulo à solução consensual dos litígios (art. 3º, §§2º e 3º do CPC), a partir, também, da ampliação da autonomia das partes em determinados aspectos dos processos (art. 190 e 191, CPC). Outrossim, a boa-fé é elevada ao título de princípio processual (art. 4º, CPC), de forma a determinar o comportamento das partes e de todos os que participam do processo, em prol de uma conduta que esteja de acordo com o direito.
Conforme outrora salientado, o CPC/2015 também prevê o princípio da primazia do mérito, no qual se interpreta que “realmente concretizado estará sendo o princípio se a razoável duração do processo levar em conta não só o tempo até a sentença, mas a duração integral do caminho a ser percorrido pelo autor até que este obtenha integralmente a satisfação de seu direito”. [20]
A preocupação com a performance do Judiciário e com a sua eficiência também fica em evidência no novo diploma.[21] Criam-se mecanismos de aceleração dos julgamentos, como ocorre na vinculação aos precedentes (arts. 927 e ss), no método de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos e nos institutos do Incidente de Assunção de Competência e do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (ou apenas, IRDR). Com isso, além de mais célere, os processos passam a observar com maior rigidez aos postulados da isonomia, segurança jurídica e legalidade.
Por essa razão, o art. 926 do Novo CPC afirma que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Ainda, seguem-se os §§ 1º e 2º afirmando: “Na forma e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante” e “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.
Isso porque, a partir do problema do demandismo exacerbado e da consequente multiplicidade de decisões judiciais divergentes, inclusive sobre a mesma questão jurídica, há um comprometimento da unidade do sistema de direito. Diante desse cenário, o Novo CPC preocupou-se com a integridade e coerência da ordem jurídica, criando um sistema de precedentes, cujo grande destaque é o art. 927, o qual estabeleceu uma série de mecanismos para restaurar a unidade do direito, salvaguardando valores constitucionais importantes, tais como, segurança jurídica, isonomia e efetividade da prestação jurisdicional.
A partir do art. 927, o legislador determinou o respeito aos precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, além de determinar que os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça também respeitem a jurisprudência formada a partir dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência.
Para Luiz Guilherme Marinoni, um “sistema que admite decisões contrastantes estimula a litigiosidade e incentiva a propositura de ações, pouco importando se o interesse da parte é a previsibilidade, como consequência da falta de vinculação dos precedentes, conspira contra a racionalidade da distribuição da justiça”. [22]
Os juízes ou tribunais, ao firmarem seu entendimento inicial, têm o dever de promover, em casos idênticos, o mesmo tratamento conferido anteriormente, sob pena de flagrante violação à isonomia, a não ser que reste comprovada situação fática ou jurídica diversa (art. 927, §§ 2º e 4º, CPC/2015), haja vista que sempre que necessário deve-se adequar os entendimentos consolidados à interpretação contemporânea do ordenamento jurídico.
A preservação da isonomia está diretamente relacionada à segurança jurídica, uma vez que, ao selecionar uma tese jurídica, aplicando-a de forma uniforme para os casos idênticos existentes, o Poder Judiciário firma o seu entendimento a respeito do tema, garantindo ao jurisdicionado previsibilidade, segurança e estabilidade em sua atuação.
Ademais, a sistemática de precedentes implicaria na performance do Judiciário, posto que, na busca da solução adequada ao caso e face a uma multiplicidade de demandas sobre o mesmo tema, o magistrado poderia se dedicar de forma mais concentrada e qualitativa ao debate em pauta, selecionando apenas alguns casos jurídicos representativos da controvérsia.
Esse cenário deixa evidente a tônica antidefensiva do Código e – por assim dizer –, a boa vontade do legislador de criar uma série de mecanismos e instrumentos que permitam ao processo realizar a função que ele sempre fez e faz melhor: conferir uma adequada tutela mérito, a respeito do direito material levado ao crivo do Poder Judiciário.
Síntese conclusiva
Por tudo o que se expôs linhas acima, ainda que de maneira bastante sucinta, restou evidente a relevante contribuição que a edição do Código de Processo Civil de 2015 trouxe ao incremento da concretização e realização da garantia do acesso à justiça.
O Código de 2015, por suas bases principiológicas que nos permitem traçar uma nova fase metodológica do processo civil, constitui-se em uma grande e bem vinda contribuição, democratizando e ampliando (ou efetivando) o acesso à justiça e, nessa medida, representando um ponto importante a ser destacado na comemoração dos 30 anos da Constituição Federal.
Autora: Dra. Monica Bonetti Couto
Zacarella, Landolfi e Bonetti Couto Advogados Associados
mbonetticouto@zacarellaadvogados.com.br
www.zacarellaadvogados.com.br
[1] V., sobre o tema: COUTO, Mônica Bonetti; MEYER-PFLUG; Samantha Meyer. Processo Civil e Constituição: uma (Re) aproximação necessária. Processo e Jurisdição. Organização: CONPEDI/UFF. Coordenadores: Vladmir Oliveira da Silveira; Aires José Rover. Florianópolis, FUNJAB, 2012, pp. 411-433. <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=173f0f6bb0ee97cf>. Acesso em 05.05.2017 e COUTO, Mônica Bonetti. O Processo Civil Colaborativo e o Processualismo Constitucional Democrático: por uma correta compreensão de seu conteúdo, destinatário(s) e limites. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais e Justiça. (no prelo).
[2] Não se pode dizer que essa aproximação seja uma novidade pós Constituição de 1988. Ver, a respeito, COUTO, Mônica Bonetti; MEYER-PFLUG; Samantha Meyer. Processo Civil e Constituição: uma (Re) aproximação necessária. Processo e Jurisdição. Organização: CONPEDI/UFF. Coordenadores: Vladmir Oliveira da Silveira; Aires José Rover. Florianópolis, FUNJAB, 2012, pp. 411-433. <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=173f0f6bb0ee97cf>.
[3] Glauco Gumerato Ramos critica duramente as teses levantadas pelos neoconstitucionalistas (…) que procuram explicar o Processo como um ‘instrumento’ voltado às realizações dos fins do Estado (…).” (Processo jurisdicional, República e os Institutos Fundamentais do Direito Processual. Revista de Processo, Vol. 241. pp. 27-48, São Paulo: Revista dos Tribunais, mar. 2015, citação extraída das páginas 29-30).
[4] Para Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes: “Direito processual constitucional é o método consistente em examinar o sistema processual e os institutos do processo à luz da Constituição e das relações mantidas com ela. Não é mais um entre os ramos do direito processual (…). O método constitucionalista inclui o estudo das recíprocas influências existentes entre Constituição e processo – relações que se expressam na tutela constitucional do processo, representada pelos princípios e garantias que, vindos da Constituição, ditam padrões políticos para a vida daquele.” (Cf Teoria Geral do Novo Processo Civil, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 53 – Itálicos no original)
[5] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, edição proview.
[6] COUTO, Mônica Bonetti; SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Amicus curiae: modelo processual democrático e novo Código de Processo Civil in Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, Ano 11, V. 18, Nº 13, Set. a Dez. 2017. pp. 256-279.
[7] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. O novo processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, edição proview.
[8] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 59.
[9] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 61.
[10] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 65
[11] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 50.
[12] FUX, Luiz. O Novo Processo Civil in Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 80, nº 04, out/dez. 2014.
[13] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. O novo processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, edição proview.
[14] “Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.”
[15] Temos para nós que o princípio da colaboração, previsto no art. 6.°, não quer significar que as partes devem colaborar entre si, em uma visão romântica que não se coaduna com a realidade de um processo pautado no modelo adversarial, em que cada uma das partes quer fazer prevalecer os seus interesses. Ao que tudo indica, o destinatário do princípio da colaboração é, antes, o magistrado, que há de cooperar com as partes, desde a petição inicial e muito agudamente na fase saneadora e de produção de prova, com vistas à prolação da tutela final de mérito. Ver, sobre o tema, com idêntico pensamento: Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil – pressupostos sociais, lógicos e éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, especialmente às pp. 103-104.
[16] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 51.
[17] COUTO, Monica Bonetti. As disposições do Novo CPC e (a esperança de) superação da jurisprudência defensiva. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/o-novo-cpc-e-a-esperanca-de-superacao-da-jurisprudencia-defensiva-por-monica-bonetti-couto Acesso em: 18 mai. 2018.
[18] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p.176. No mesmo sentido, v. WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Regramento do prazo no Novo Código de Processo Civil in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno; TALAMINI, Eduardo (coord.) Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 653.
[19] JORGE, Flávio Cheim. Dos recursos in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno; TALAMINI, Eduardo (coord.) Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 2234.
[20] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, edição proview.
[21] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 50-51.
[22] MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre a jurisdição de civil law e de common law e a necessidade de precedentes no Brasil. Revista de Processo, nº 172. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 175-232.