PL no. 1.179 – Direito Privado pós COVID-19
O controverso Projeto que institui o regime jurídico emergencial e transitório no Direito Privado já foi aprovado pelo Plenário do Senado e segue em regime de urgência em sua tramitação. O tema é polêmico e já tem suscitado muitos debates. Apesar da “boa vontade” dos autores do projeto para tentar regular as controvérsias decorrentes da Pandemia, a verdade é que o PL acabou por tratar de temas muito amplos, afetando as mais diversas normas (desde o Código Civil, até o Código Brasileiro de Trânsito), com implicações diretas na vida de milhares de brasileiros.
Vale a pena analisar as principais mudanças propostas:
1) Regime provisório – De partida, o PL deixa claro que não institui nenhuma alteração ou revogação de normas, mas apenas um regime diferenciado transitório – e, portanto, com prazo previsto para a sua extinção (30.10.2020) – para o período de Pandemia pela Covid-19.
2) Termo inicial – Estipulou-se que a data da publicação do Decreto Legislativo Federal nº 6 (Calamidade Pública), 20.03.2020, seria considerada como marco inicial para se reputarem ocorridos os eventos – e os efeitos daí decorrentes – derivados da pandemia no país.
3) Prazo prescricional – O projeto paralisa a fluência dos prazos prescricionais até 30 de outubro de 2020.
4) Reuniões presenciais – O projeto desce no detalhe e estabelece que associações, sociedades e fundações haverão de observar as restrições impostas pelas autoridades sanitárias locais para a realização de reuniões presenciais, recomendando que as assembleias sejam realizadas a distância. O substitutivo retirou do rol de pessoas jurídicas as “organizações religiosas”, deixando de fora a polêmica questão da realização das missas e cultos religiosos.
5) Resilição, Resolução e Revisão dos Contratos – O PL deixa claro que os transtornos causados pela Pandemia, enquadráveis como caso fortuito ou força maior, não têm efeitos retroativos ou seja, não aproveitam situações ocorridas antes de 20 de março de 2020. Mas deixa claro também que não se considera como fato imprevisível para resolução de contratos por onerosidade excessiva, os seguintes eventos: aumento da inflação, variação cambial, ou a desvalorização ou substituição do padrão monetário.
6) Comércio Eletrônico – No âmbito das relações de consumo, o projeto estabelece a suspensão até 30 de outubro de 2020 do direito previsto no art. 49 do CDC (devolução de mercadorias adquiridas via entrega domiciliar). O PL substitutivo apenas limitou a suspensão para os casos de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.
7) Contratos de locação – De acordo com o projeto, já com a versão do substitutivo, não haverá concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março de 2020 e até 30 de outubro de 2020, salvo nas seguintes situações: locação para temporada, morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação e havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público. Essa, a nosso ver, a previsão mais polêmica do Projeto. O substitutivo também suprimiu, em boa hora, uma possibilidade – prevista no projeto original – de suspensão do pagamento de alugueis em locações residenciais caso o locatário sofresse demissão, redução de carga horária ou de remuneração.
8) Usucapião – De acordo com o Projeto, suspendem-se os prazos de aquisição em todas as espécies de usucapião, até 30 de outubro de 2020.
9) Condomínios Edilícios – O projeto estabelece que os síndicos de condomínios edilícios podem restringir a utilização das áreas comuns, reuniões, festividades e uso dos abrigos de veículos por terceiros e obras, respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condômino. Ficam de fora dessa proibição os casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias. Ademais, estabelece que a assembleia condominial pode ocorrer pelos meios virtuais, inclusive a respectiva votação, prevendo que, não sendo possível a realização de assembleia condominial nestes termos, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.
10) Regime Societário – O PL estabelece que todos os prazos para realização de assembleias e reuniões de quaisquer órgãos e para a divulgação ou arquivamento nos órgãos competentes das demonstrações financeiras, ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020, estabelecendo ainda que a Comissão de Valores Mobiliários regulamentará os demais prazos e o que mais for necessário para as companhias abertas. Registra ainda que as reuniões podem ser realizadas de maneira virtual, por meio da rede mundial de computadores. Ademais disso, prevê que os dividendos e outros proventos poderão ser declarados durante o exercício social de 2020 pelo Conselho de Administração, independentemente de previsão estatutária ou contratual, ainda que sobre o lucro constante de balanço levantado ao final de exercícios encerrados, mas ainda não aprovados pelos sócios ou acionistas das sociedades.
11) Alterações no Regime Concorrencial – De acordo com o projeto, ficam suspensas algumas sanções por práticas anticoncorrenciais, bem como a obrigatoriedade de notificação de alguns tipos de contratos perante o CADE, para os contratos iniciados a partir 20 de março de 2020.
12) Prisão Domiciliar – o PL determina que a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.
13) Inventários – Segundo o projeto, para as sucessões abertas a partir de 1 de fevereiro de 2020, o marco inicial do prazo de conclusão do inventário e de partilha seria dilatado para 30 de outubro de 2020. Para os processos iniciados antes de 1º de fevereiro e ainda não finalizados, o prazo ficaria suspenso até a mesma data.
14) peso de veículos e Contran – De acordo com o projeto, caberá ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) editar normas que prevejam medidas excepcionais de flexibilização do cumprimento do disposto nos artigos 99 e 100 do CTB (vedação de circulação de veículos que desrespeitem os parâmetros estabelecidos para peso e lotação máximos).
15) Proteção de Dados – Por fim, o projeto propõe postergação das datas de início da vigência da Lei 13.709/2018.
Autora:
Dra. Monica Bonetti Couto
Zacarella, Landolfi e Bonetti Couto Advogados Associados
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